Discurso proferido pelo Diretor do SIED por ocasião da cerimónia comemorativa do 27º aniversário do SIED.

Há dois anos atrás, estávamos aqui reunidos, de forma muito limitada devido à pandemia, para celebrar o 25º aniversário do SIED. Hoje estamos a fazê-lo em plena guerra! Como constatou recentemente o Senhor Primeiro-Ministro, quem diria que, no rescaldo do pico de uma pandemia, que ainda não acabou e como já não se via há cerca de um século, estaríamos agora a viver uma guerra como já não se via há 70 anos na Europa? Isto no meio de uma crise económica, com uma estagflação que já não se via há mais de 3 ou 4 décadas, com a agravante, advertem alguns, de que o pior poderá estar ainda para vir.

A anunciada tempestade perfeita, que os profetas da desgraça dizem agora que sempre se perfilou no horizonte, não seria tão perfeita se não se associassem também outros perigos, que se avolumam e agravam, pondo em causa a própria sobrevivência da Humanidade.

De facto, não é apenas o espetro da ameaça nuclear que voltou a assombrar as nossas mentes, mas como, de forma lúcida, o Alto Representante da União Europeia, Josep Borrell, tem vindo a alertar, afirmando que qualquer faceta da atividade humana pode hoje ser instrumentalizada e transformar-se numa arma. A segurança humana deve, pois, mais do que nunca, nortear o nosso trabalho de informações, incluindo-se neste conceito integrado, a segurança energética, alimentar, sanitária e ambiental.

É, de facto, o nosso próprio ecossistema que se encontra diariamente ameaçado, e por conseguinte a nossa segurança, com tristes recordes que se vão sucedendo como o da pior seca dos últimos 500 anos que está atualmente a assolar o nosso continente e, em particular, a Península Ibérica, que nos lembra a importância estratégica da água como recurso vital.

Vivemos num contexto dramático que a minha geração não conheceu porque felizmente não vivemos em tempos de guerra na Europa, a não ser a da Guerra Fria, que parece, também, estar de volta.

Os atuais desafios obrigam-nos a repensar os nossos modelos de organização, de molde a enfrentar choques sistémicos, até agora essencialmente de natureza económica, mas cada vez mais de índole político-militar, impactando nas nossas áreas de interesses em várias geografias.  Incidem, também, sobre o modelo de ordem internacional que tem prevalecido até aqui, fundado em normas e valores fundamentais, como a soberania e a integridade territorial, a Liberdade e os Direitos Humanos.

Ao mesmo tempo que esta tectónica de reestruturação a nível macro está em curso, estamos em guerra, ou melhor dito em guerras simultâneas em diversas frentes; desde logo, perante uma guerra convencional e híbrida no nosso continente que não sabemos nem como nem quando acabará, sendo pelo menos certo que se vai arrastar durante o próximo Inverno, pondo à prova a capacidade de resistência do povo ucraniano e de nós todos.

Em simultâneo prossegue uma guerra incessante contra o terrorismo que se está a alastrar, assistindo-se cada vez mais a uma africanização do jihadismo, com o que isto representa no Sahel, nos Grandes Lagos e em Moçambique, onde este fenómeno está a ser combatido em Cabo Delgado, mas também, e cada vez mais, na Costa Ocidental, nomeadamente em direção ao Golfo da Guiné.

          O SIED está plenamente mobilizado nesta guerra contra o terrorismo, a qual visa também a criminalidade organizada transnacional de que os grupos armados se alimentam cada vez mais. Por outro lado, haverá que ter presente as guerras e os conflitos internos cada vez mais exacerbados pelas alterações climáticas, como os que se verificam no Corno de África, agravando as migrações forçadas, fenómeno este que o nosso Serviço tem também vindo a monitorizar.

Para além disso, estamos mergulhados numa guerra económica e comercial – em que temos de repensar as cadeias de produção e de abastecimento – e numa guerra energética, como assistimos aliás, há dias, com a sabotagem dos gasodutos no Báltico, sendo certo o redesenhar do mapa energético mundial, em que não existem apenas ameaças, mas também oportunidades.

Estamos, de facto, atentos às movimentações e aos projetos que têm vindo a ganhar um novo ímpeto nos últimos meses, nomeadamente no Cáucaso e no Mediterrâneo Oriental e, mais perto de nós, no Magrebe e na Nigéria. Oportunidades em que Portugal tem também uma palavra a dizer, em particular nas renováveis e nas potencialidades que o GNL (Gás natural liquefeito) e o Hidrogénio nos proporcionam.

Por último e certamente não menos importante, estamos a viver uma guerra tecnológica e cibernética que tem tudo menos de virtual. A guerra na Ucrânia também se trava na dimensão ciber e as armas não estão apenas apontadas contra Kiev. Face a esta ameaça multidimensional, temos atuado em conjunto com os nossos parceiros institucionais, numa lógica de complementaridade e reforço mútuo.

Esta é uma guerra pérfida porque sistemática, dissimulada e assimétrica. Envolve atores estatais e não estatais, embora a maioria destes últimos se apoie também em Estados que recorrem a batalhões de hackers e ciber-criminosos particularmente ofensivos. Não podemos permitir que continue a escalar esta guerra de bastidores e nos bastidores, nos quais guardamos os milhões de dados em que assenta, cada vez mais, o funcionamento do Estado e da sociedade, no contexto da revolução tecnológica que tenderá a acelerar com os avanços da Inteligência Artificial.

Uma revolução que, ao reforçar o poder da informação, cria um fosso cada vez maior entre quem está e quem não está equipado para poder difundir e sobretudo processar milhões de dados e de notícias. Uma revolução que acelera também a desinformação e o veneno que esta encerra.

A ameaça com que nos confrontamos, na era das redes sociais, da imagem e do imediatismo, é justamente a de ver o rumor, a mentira, as fake news e todo o tipo de propaganda tóxica corroerem o nosso modelo de Estado de Direito democrático, criando um terreno fértil para explorar medos, receios e sentimentos de insegurança. A tentação de se fechar sobre si próprio e de encarar tudo o que vem do exterior como uma ameaça não é infelizmente algo de inédito no nosso continente e, tal como assistimos ao ressurgimento de fenómenos que pensávamos não rever, como a guerra, estão cada vez mais prementes as ameaças dos extremismos e da xenofobia. O discurso radical está bem audível e a alastrar.  

Neste mundo em grave convulsão e mutação acelerada, permitam-me destacar o cerne da atividade do SIED: a produção de informações estratégicas, a capacidade de antecipação não só de ameaças, mas também de oportunidades, e a proteção dos interesses de Portugal onde quer que estes se projetem a nível internacional.

Para um país como o nosso, com uma presença e interesses globais, podem facilmente imaginar a envergadura do desafio que isso representa e a responsabilidade que sobre nós impende, sobretudo agora em tempo de guerra. De facto, temos a competência exclusiva de avaliação da ameaça a nível externo sempre que tal nos é solicitado.

Somos capazes de fazer levar a cabo esse exigente mandato devido, em primeiro lugar e naturalmente, à excelência de quantos personificam e dão vida a este Serviço, ou seja, os nossos preciosos recursos humanos. O sentido de dever, em prol da defesa dos superiores interesses do Estado, constitui para quantos aqui trabalham, mais do que uma segunda, uma primeira natureza.

É, na chamada Inteligência Humana que reside a nossa força. Este é também um requisito para continuarmos a honrar as relações privilegiadas com os nossos Irmãos Lusófonos, os nossos Aliados e os nossos Parceiros na Europa e em várias outras latitudes.

Não somos apenas 10 milhões no nosso retângulo na Europa, mas também mais de 5 milhões por este mundo fora, com uma Comunidade ativa e ambiciosa, o que nos dá alento para precisamente prosseguir o que que se espera de nós: proteger os nossos compatriotas e o que representam em termos de interesses de Portugal. Por outro lado, a nossa missão inclui ainda o apoio e a intensa colaboração com as nossas Forças Nacionais Destacadas.

Concluiria, mas não como comecei. Faço, com efeito, votos de que, ao reunirmos de novo aqui no próximo Aniversário do SIED, já não seja numa conjuntura pandémica ou de conflito aberto. Oxalá que essa predição do SIED se concretize, confirmando a nossa capacidade de antecipação de cenários!

Muito obrigado!

30 de setembro de 2022